Torna-se cada vez mais difícil negar os impactos das mudanças climáticas na nossa realidade latino-americana. Conforme o fogo consome os nossos biomas, as matas são transformadas em pasto e nossas águas são poluídas, as consequências são sentidas primeiro na periferia do capitalismo: temperaturas mais altas, eventos climáticos extremos, extinção em massa de espécies da fauna e flora, riscos cada vez mais graves para a saúde, aumento expressivo no número de refugiados climáticos. Este quadro não se configura com fenômenos isolados: o Sul Global é a região mais afetada pela crise climática, cujos riscos se concretizam de forma mais alarmante para populações em situação de vulnerabilidade. Os impactos da destruição do meio ambiente perpassam obrigatoriamente pelo racismo ambiental.
As formações sociais, econômicas e espaciais latino-americanas demonstram um caráter capitalista dependente, de nações construídas para abastecer suas metrópoles no colonialismo, e que atualmente ainda se encontram na mesma situação como fornecedores de commodities para os países hegemônicos, principalmente. No entanto, a grande contradição é que a crise no Sul Global afeta o Norte, que depende de nossas florestas em pé e de nossos recursos para se manterem. Portanto, o colapso crescente de nossos sistemas naturais representa um perigo de extinção em todo o planeta.
O contexto de ruína, que suscitou na criação do Fridays For Future - consolidado com o aparecimento da figura de Greta Thunberg no cenário da luta climática - pouco tempo depois instigou o estabelecimento do Jovens Pelo Clima em Brasília, movimento jovem anticapitalista revolucionário de luta por justiça climática e socioambiental. Assim, com o objetivo de construir a luta coletiva internacional, todo ano os núcleos do FFF organizam o Ato Global Pelo Clima (ou Greve Global Pelo Clima), e em 2023 viemos gritar: #SemAnistiaParaEcocida, pois #AmanhãÉMuitoTarde!
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A anistia dos responsáveis pelos crimes socioambientais é um fenômeno que percorre toda a história do Brasil pós-colonização, permitindo a conservação de um ciclo de violências e exploração, que mesmo adquirindo novas formas, sempre atenta contra o meio ambiente e o povo. A não responsabilização dos culpados - blindados pelo pertencimento à classe burguesa, que se encontra “acima da lei e da justiça” - resulta em um esquecimento coletivo, que transfigura-se em um olhar acrítico da nossa história e impede que identifiquemos a atual crise como sistemática e estrutural. Precisamos romper com essa realidade no presente: sem anistia para ecocida!
O golpe de 2016 estabeleceu uma conjuntura marcada por políticas ultra-neoliberais, conservadorismo, retrocessos e desmonte de direitos conquistados com muita luta, além da destruição dos nossos biomas e seus povos. Aliado à oligarquia latifundiária herdeira dos colonizadores e aos rentistas do mercado financeiro, Temer e Bolsonaro “passaram a boiada", como bem disse o ex-ministro do meio ambiente, Ricardo Salles. Incentivaram a expansão da fronteira do extrativismo, o que resultou em tragédias sociais e ecológicas, enquanto abandonaram políticas que garantiam a segurança alimentar do povo. Conseguimos dar um fim a esse ciclo neofascista com a eleição de Lula, mas a luta não pode parar. É nosso dever histórico não deixar que os atores dessa destruição saiam impunes. É preciso cobrar que Bolsonaro e seus aliados paguem pelos crimes que cometeram contra o povo brasileiro. Não podemos deixar que a ampla anistia que ocorreu ao final da Ditadura Empresarial-Militar se repita, pois é ela que permitiu com que os seus atores continuassem a ocupar cargos na política institucional e que a memória dos descasos fosse apagada. Não permitiremos que os responsáveis por atacar os direitos do povo e da natureza fujam para o exterior após destruírem tudo. Que a memória seja preservada e que nunca voltem da lata do lixo da história!
Apoiando não somente a necropolítica nazi-bolsonarista, mas todas as políticas de fortalecimento do capitalismo desde seu desenvolvimento, as grandes corporações e bilionários nunca se importaram pelo bem comum: em cada tragédia encontram a melhor forma de lucrar e usurpar a classe trabalhadora. Observa-se isso, por exemplo, nos comerciantes paulistanos que, em meio às fortes chuvas no litoral paulista, decorrente da negação da catástrofe climática por parte dos dominadores, cobram 40 reais por litro de água potável[1]. Enquanto a classe trabalhadora morre ora de fome, ora por catástrofes ambientais causadas pela negligência empresarial-estatal, a elite nos despolitiza, enchendo-nos de promessas vagas e de futuros auxílios que nunca chegam e, quando chegam, são insuficientes. A vida e a dignidade da classe trabalhadora estão longe de ser a prioridade de um sistema capitalista destrutivo para os 99% da população e para o meio ambiente. Está evidente: se não quisermos que as degradações climáticas nos conduzam à ruína, uma revolução será necessária. E nesse contexto, fica claro que não é coerente lutar somente pelo nosso futuro quando é nosso PRESENTE que está sendo ameaçado pela crise socioambiental! Amanhã é Muito Tarde porque a violência da burguesia e de suas instituições sufocam as vozes da luta e da resistência preta, indígena, trabalhadora, feminina, jovem e radical. Amanhã é Muito Tarde porque o fascismo e o ecofascismo nos asfixia com seus ares golpistas, porque nossas existências continuam ameaçadas e cercadas de medo e agressividade.
É de extrema importância ressaltar que o ecocídio e genocídio de povos e comunidades tradicionais não é algo restrito aos governos contemporâneos de extrema-direita, tampouco um fenômeno limitado ao passado colonial brasileiro: é algo que ecoa a nossa história há mais de 500 anos, representando um constituinte essencial do Estado burguês, base para um “progresso” que enriquece poucos às custas da exploração e morte para a maioria.
“[...] ecocídio é entendido como o sério dano, destruição ou perda de um ou mais ecossistemas, em um determinado território, seja por causas humanas ou por outras causas, cujo impacto causa uma diminuição severa nos benefícios ambientais dos quais os habitantes desse território desfrutavam.” - Estatuto do Tribunal Permanente dos Povos (TPP)
A mineração, que no Brasil colonial baseava-se na violência e na escravização de corpos negros e indígenas, e cuja exploração de minérios servia à interesses da metrópole imperial, ainda hoje é incentivada para alimentar o mercado internacional, e se fortalece pela invasão de territórios de comunidades tradicionais e pela espoliação dos operários da mineração. O genocídio, uma vez imposto pelas mineradoras a povos africanos e indígenas, atualmente se concretiza a partir do ecocídio: poluidor do solo e cursos d’àgua com metais pesados - que contaminam também o organismo dos que dependem desses recursos naturais para sobrevivência - e destruidor da vegetação nativa - cujos deslizamentos conseguintes avançam rejeitos sobre municípios periféricos, soterrando casas, ruas e, em casos mais preocupantes, a própria população. E, em meio a isso, uma coisa é certa: a manutenção desse projeto de destruição é sustentada pela anistia de grandes mineradoras. A própria Vale do Rio Doce, cuja exploração predatória dos recursos resultou no rompimento das barragens em Bento Rodrigues/Mariana e Brumadinho, causando a morte de 289 pessoas[2] e danos ambientais inestimáveis, até hoje nega os direitos das populações atingidas, realizando acordos cada vez mais brandos, efetuados sem a participação das comunidades mais atingidas pelos crimes ambientais cometidos.
O agronegócio, um outro tentáculo da burguesia fundamentado na exploração do meio ambiente e da classe trabalhadora, não é POP, e sim ECOCIDA! Concentração de terras, desertos verdes de monocultura, desmatamento, poluição do ar, solo e água, assoreamento de cursos d’água, violência no campo, apropriação de terras indígenas, uso de agrotóxicos, pulverizados como arma química contra povos originários - e aqui podemos citar o caso da Monsanto que, produtora do Agente Laranja utilizado na Guerra do Vietnã, hoje lucra à custo da saúde pública brasileira - são somente parte dos incontáveis atentados do agro conta o meio ambiente, os recursos hídricos, o solo, o clima, e, claro, contra a população, em especial os povos dos campos e das florestas.
Não é de hoje que nossos biomas, incluindo o Cerrado, são ameaçados como zona de sacrifício do desenvolvimento do capitalismo mundial, que mata, destrói e explora em busca de uma acumulação infinita de capital. A ameaça não é somente à sobrevivência física e material do povo, mas também a sua existência simbólica, cultural, assim como as suas formas de vida e resistência, que representam o próprio âmago da nossa utopia revolucionária.
O cenário catastrófico brasileiro, sendo um problema não somente estrutural, mas também global, se reproduz em toda a América Latina: forças imperialistas pós-coloniais aterrorizam nossas cidades, instaurando ditaduras e governos que apenas se preocupam em garantir o lucro a monopólios e grandes latifúndios, abafando qualquer perspectiva de vida coletiva minimamente saudável. Somos filhos/as/es da fome e do luto, tendo sido nossos países e comunidades forjados a partir de séculos de escravidão e exploração tanto de nossas terras e matas, quanto da massa de trabalhadores dizimada pelas precárias condições de vida. A América Latina, mesmo responsável por grande parte da produção mundial de alimentos, tem sua população diariamente assolada pela fome e insegurança alimentar, fator que promove a desnutrição infantil e precarização compulsória do trabalho. O que seria isso além dos abusos escancarados dos países ditos “desenvolvidos” sobre o trabalho de nosso povo em nossas terras? O que seria isso além de provas palpáveis da ganância do capital que rege a economia desses países, controlada por algumas oligarquias e políticos vendidos, que privilegia a manutenção da miséria em nosso continente para que uma dúzia de europeus/estadunidenses possa ter acesso a produtos exotificados, em uma lógica perversa de mistificação e entretenimento em cima de nossos corpos? Não podemos nos contentar com as migalhas que nos são dadas enquanto nosso povo morre de fome.
Se o problema é estrutural, a solução deve ser coletiva: devemos nos organizar politicamente enquanto classe e juventude, pois como disse Che Guevara “Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética”. Devemos ir às ruas não apenas exigindo mudanças radicais, mas gritando por nosso direito e dever de forjar o nosso próprio sistema, que seja socioeconomicamente justo, no qual água, moradia, comida, e emprego não sejam mercadoria, e onde possamos agir em uníssono como uma classe, uma classe trabalhadora, capaz de tomar as rédeas de um país afundado e conduzi-lo a uma revolução.
Assim, o Jovens Pelo Clima Brasília convoca todes para, dia 3 de março, sexta-feira, reunirem-se na Praça do Cidadão, Ceilândia, às 16H para ecoar a resistência! Nós construímos a luta hoje porque #AmanhãÉMuitoTarde, e diante do cenário em que nos encontramos , é necessário gritar de uma vez por todas #SemAnistiaParaEcocida!
[3]https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/meio-ambiente/audio/2021-11/tragedia-em-mariana-completa-6-anos-sem-nenhuma-punicao-criminal e https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2023/01/25/quatro-anos-da-tragedia-em-brumadinho-270-mortes-tres-desaparecidos-e-nenhuma-punicao.ghtml
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